Supremo Tribunal Federal: condutor que foge do local de acidente comete crime
Condutor
que foge do local de acidente comete crime. Assim entendeu o plenário do STF
nesta quarta-feira, 14, ao julgar constitucional o art. 305 do Código de
Trânsito Brasileiro, o qual tipifica o crime “afastar-se o condutor do veículo
do local do acidente, para fugir à responsabilidade penal ou civil que lhe
possa ser atribuída”.
Até
o momento, há sete votos pela constitucionalidade do dispositivo, nos termos do
voto do relator, ministro Fux.
O
caso
O
recurso do MP/RS visa à declaração de constitucionalidade do artigo 305 do CTB,
que tipifica o crime. O acórdão recorrido declarou, de ofício, em caráter
incidental, a inconstitucionalidade do dispositivo, e absolveu o réu com base
no artigo 386, inciso III, do CPP, por entender que “ninguém está obrigado a
produzir prova contra si mesmo”.
O
MP/RS alega que os direitos à não autoincriminação e ao silêncio, decorrentes
da CF, não conferem ao indivíduo autorização para fugir do local do acidente.
Referidos direitos, conforme se depreende da doutrina e jurisprudência, impedem
que o Estado exija que o indivíduo preste declarações, dando uma contribuição
ativa para definição de sua culpa, mas não são obstáculos à implementação de
medidas que dizem respeito à correta identificação daquele que se envolveu em
acidente de trânsito, mesmo que se trate de fato passível de enquadramento
criminal.
O
parecer da PGR foi pela procedência do recurso.
Constitucional
O
relator, ministro Luiz Fux, destacou que “a garantia da não autoincriminação se
insere no mesmo conjunto de direitos subjetivos e garantias do cidadão
brasileiro"e que “essa relativização da garantia é admissível, embora
mediante observância dos parâmetros constitucionais". Em seu entendimento,
"o direito à não autoincriminação não pode ser interpretado como direito
do suspeito, acusado ou réu a não participar de determinadas medidas de cunho
probatório.”
“O tipo penal do art. 305 do CTB tem como bem
jurídico tutelado a administração da Justiça, que fica prejudicada pela fuga do
agente do local do evento, uma vez que tal atitude impede sua identificação e a
consequente apuração do ilícito.”
O
ministro destacou que exigência de permanência no local do acidente e de
identificação perante a autoridade de trânsito não obriga o condutor a assumir
expressamente sua responsabilidade civil ou penal, tampouco enseja contra ele
seja aplicada contra ele qualquer penalidade caso ele assim não proceda.
"Insta reconhecer que eventual declaração
de inconstitucionalidade da conduta tipificada no art. 305 do CTB em nome da
observância absoluta e irrestrita do princípio da vedação à autoincriminação
caracterizaria evidente afronta ao princípio constitucional da
proporcionalidade na sua vertente da vedação de proteção deficiente, na medida
em que a fragilização da tutela penal do Estado, mediante a visualização de
óbices à responsabilização penal da conduta de fugir do local do acidente deixa
descoberto o bem jurídico de tutela da administração da Justiça, a que o Estado
deveria salvaguardar por meio da norma penal."
Com
esses fundamentos, votou pela procedência do RE interposto pelo MP, a fim de
declarar a constitucionalidade do dispositivo, reformando o acórdão proferido.
O
relator foi acompanhado pelos ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís
Roberto Barroso, Rosa Weber, Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski.
Votos
Para
Moraes, não há inconstitucionalidade no dispositivo. “Em momento algum se
pretende coagir ou afastar a participação voluntária de eventuais investigados
em inquérito, ou posteriormente em uma audiência preliminar. Em momento algum
se pretende afastar sua voluntariedade em participar na produção probatória.
Ele não é obrigado nem coagido a falar, a confessar, a participar de
reconstituição. Tão somente é obrigado a permanecer no local para que as
autoridades possam apurar o que ocorreu." Para ele, a decisão a quo não
foi correta. Assim, acompanhou o reator.
O
ministro Fachin observou que o bem jurídico tutelado no caso é administração da
Justiça. "Todos nós brandimos armas contra a morosidade da Justiça,
dificuldade de responsabilização, lapsos temporais alargados que podem se
converter em impunidade. Este tipo vem na direção oposta, e, portanto, me
parece que é constitucional. Acompanho o ministro relator."
“Também sonho com uma sociedade onde seja
desnecessária a resposta punitiva do Estado. Mas indiscutivelmente o legislador
constituinte fez uma opção no Estado Democrático de Direito, e acredito que
cabe ao juiz respeitar a opção constitucional.”
Divergência
O
ministro Gilmar Mendes destacou a delicadeza da situação em se tratando de
matéria de controle de constitucionalidade de um tipo penal. Ainda assim, em
seu modo de ver o artigo apontado é inconstitucional.
"Na medida em que nós dissermos que é
constitucional esse tipo de criminalização, nós podemos ter daqui a pouco
cúmulos penais em se tratando de outras situações. É disso que se cuida, e é
essa a preocupação."
Ele
observou que, em caso de homicídio, não se penaliza em lei aquele que fugiu do
local do crime. Da mesma forma deveria ser nos casos de acidente, afirmou,
entendendo que a criminalização viola o dispositivo constitucional da não
autoincriminação. Inaugurando a divergência, ele votou por negar provimento ao
recurso do MP.
No
mesmo sentido votou o ministro Marco Aurélio.
"Indaga-se: é harmônico com a CF o
305, presente o princípio da razoabilidade, no que lança no banco dos réus
alguém que, simplesmente sendo condutor do veículo acidentado, deixa o local do
acidente? A meu ver, não. O passo foi demasiadamente largo dado pelo legislador
ordinário no que previu esse tipo penal."
(Fonte:
Migalhas)



Nenhum comentário