Temer, FHC e Sarney pedem paz pelas vias constitucionais
Em clima de pacificação, três
ex-presidentes se encontraram virtualmente, na noite desta quarta-feira (15),
na abertura do seminário Um Novo Rumo para o Brasil. José Sarney (1985-1990),
Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) e Michel Temer (2016-2018) aliaram-se
para defender a democracia, as instituições e suas funções constitucionais e
incentivar o diálogo conciliatório.
Realizado por quatro partidos
políticos (MDB, PSDB, DEM e Cidadania), o evento acontece no Dia Internacional
da Democracia – e uma semana depois de um dos períodos mais tensos do governo
do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).
Um dia após os ataques a membros
do Supremo Tribunal Federal (STF) proferidos pelo presidente nas manifestações
de 7 de Setembro, PSDB, PSD, Solidariedade e MDB chegaram a discutir um apoio
ao impeachment do chefe do Executivo. A possibilidade de levar o processo
adiante, no entanto, não foi citada durante o evento.
Temer (MDB) defendeu que a
própria Carta Magna brasileira prega saídas pacíficas para conflitos. “A
Constituição assim determina: toda ela está pautada pela ideia da paz”,
afirmou. Temer destacou que cabe à classe política buscar conciliação e
promover um relacionamento adequado entre os Poderes. “Quando você fala em
democracia, parece que você está falando de uma obviedade, mas as obviedades
precisam ser repetidas, afirmadas e reafirmadas”.
O ex-presidente emedebista, que
ajudou a redigir a carta de recuo que Bolsonaro divulgou no dia 9, frisou que
seu temperamento é de harmonia. “Seguindo o que o presidente Juscelino
Kubitschek dizia, eu não tenho nenhum compromisso com o erro. Se eu erro, eu
recuo. Portanto, o recuo é algo também da democracia. Só não recua quem é
ditador. Então, esse evento tem essa grande vantagem de reunificar. O Brasil
unido significa também ter todos os partidos unificados para um mesmo
pensamento ou para uma mesma luta”, afirmou o ex-presidente.
Fernando Henrique Cardoso, o
ex-presidente tucano, foi pela mesma linha. “O significado do nosso encontro é
importante para o momento atual do Brasil. Todos nós aqui somos pela
democracia, liberdade e ação partidária e política. É chegada a hora de um toque
de alerta, nosso encontro transcende porque não é mais banal reafirmar pela
democracia. O presidente (Bolsonaro) tem arroubos que não são condizentes com
um futuro democrático. Mas ele não vai conseguir, ninguém vai conseguir”, disse
FHC.
José Sarney (MDB), o decano do
trio, exaltou o desejo de conciliação dos presentes. “Duas coisas são
importantes e constantes na nossa reunião: primeiro, o desejo de pacificação do
país. Segundo, nós, através do diálogo, encontramos a solução de acordo com a
tradição brasileira”.
Sarney apontou que a “tradição
brasileira” é de resolver problemas com “jeitinho”, usando a Independência do
Brasil como exemplo. “A partir da própria independência, demos o primeiro
jeitinho brasileiro. Fizemos um acordo, em vez de guerra. Pegamos um príncipe
português e o transformamos em imperador brasileiro. E fomos fazendo o caminho
da independência. Sempre seguimos o caminho da concórdia e não a luta, o ódio,
que passou a interferir na nossa política.”
Jobim fala em disfuncionalidades;
Sarney pede parlamentarismo
O ex-presidente do Supremo
Tribunal Federal (STF) e ex-ministro da Defesa Nelson Jobim também participou
do debate. Para ele, existe hoje no Brasil “uma disfuncionalidade entre os três
Poderes” e, com isso, a política perdeu sua capacidade de administrar discordâncias.
“Nós tínhamos uma alternância de
poder entre PSDB e PT, isso se rompeu. Houve a criminalização da política com a
Operação Lava Jato e tivemos a eleição de Jair Bolsonaro. A partir daí, se
agravou a disfuncionalidade do nosso sistema, que era relativamente
organizado”, argumentou Jobim.
O ex-ministro citou o
enfraquecimento dos líderes e das organizações partidárias, o surgimento de
frentes parlamentares e a concentração de emendas na presidência da Câmara dos
Deputados como fatores de disfuncionalidade do Legislativo. Além disso, para
ele, a política foi judicializada e a Justiça, politizada.
“A política perdeu a capacidade
de produzir consenso, sem instrumentos partidários para administrar um acordo,
e passaram a recorrer ao Supremo. Como fator exógeno, tivemos a introdução da
TV Justiça. Se falava que seria instrumento de transparência, mas acabou sendo
instrumento de visibilidade. Hoje o sujeito demora 40 minutos para votar com o
relator porque tem a visibilidade na TV”, afirmou Jobim.
As distorções no poder executivo
se dão, segundo o ex-ministro, pela rejeição do processo político pelo
presidente Bolsonaro e pela falta de interlocução entre os demais poderes.
Para o ex-presidente Sarney, o
atual sistema brasileiro está esgotado. “Nós não podemos seguir mais com esse
sistema eleitoral que aí está. Nós temos que partir para o parlamentarismo.
Temos que acabar com o voto proporcional e com o voto uninominal. Temos que
fazer um regime como é o português e o francês, países que conseguiram sair
dessa situação. Sem isso, não sairemos de crises e mais crises”.
Jobim concordou que é necessário
um “ajustamento nas instituições e que isso passa pelo sistema de governo” que
não funciona mais. E frisou que é preciso uma agenda de construção para o futuro.
“Hoje, há uma pseudo contradição: só se fala em responsabilidade fiscal, e não
social. Nós tivemos capacidade de conciliar as duas, nos governos FHC e Lula.
Temos que superar essa contradição, e não tentar defender exclusivamente uma
delas.”
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