Alzheimer, diabetes e infertilidade: Como dormir pouco pode afetar a saúde
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InsôniaShutterstock |
Nos
últimos anos, têm surgido vários estudos que apontam ligações entre poucas
horas de sono (menos de sete horas por noite) e várias doenças, principalmente
mentais, cardiovasculares e degenerativas.
Ainda
assim, os especialistas dizem que as perturbações do sono “são sempre deixadas
de lado”, uma vez que as pessoas não associam a insónia a doenças a longo prazo
e acabam por desvalorizar as consequências de dormir pouco.
A
insónia (associada a “mais de três noites por semana sem dormir”) “é muito
frequente” entre a população, de acordo com a psiquiatra Maria Moreno, que
indica que “cerca de 30% da população mundial já sofreu com o distúrbio pelo
menos uma vez na vida e 15% vai sofrer uma insónia grave”.
Além
do cansaço, sonolência e todas as outras consequências sentidas no imediato, as
perturbações do sono podem significar uma doença mais grave a longo prazo.
A
CNN Portugal conversou com três especialistas em medicina do sono, que explicam
as doenças que podem resultar de poucas horas de sono.
Apneia do sono e a
ligação a problemas cardíacos
A
apneia do sono está entre as perturbações do sono mais frequentes, de acordo
com a pneumologista Mafalda VanZeller, que indica que entre 9 a 24% da
população adulta mundial sofre desta doença, que se manifesta também em
crianças (cerca de 2% da população mundial).
A
apneia do sono consiste, na prática, em “episódios repetidos de interrupção total
ou parcial da passagem do ar na via aérea superior”, provocando uma
“fragmentação do sono e um compromisso da oxigenação durante a noite”, explica
a especialista do Centro Hospitalar Universitário do São João.
“Esta
interrupção da passagem do ar e a inadequada oxigenação do sangue vai levar ao
aumento do trabalho cardíaco, aumenta o risco de arritmias cardíacas, de
hipertensão arterial e ataques agudos do miocárdio. Sabemos hoje que, em cada
10 acidentes vasculares cerebrais (AVC), três a quatro ocorrem em indivíduos
com apneia do sono”, salienta.
Geralmente,
os indivíduos que têm apneia do sono “acordam muitas vezes durante a noite, sem
perceberem que é por estas interrupções da passagem do ar”, explica a
especialista.
Muitas
vezes, acordam com a sensação de sufocamento ou com necessidade de ir ao
banheiro várias vezes durante a noite. Já durante o dia, “notam dificuldades na
capacidade de memória e concentração, cansaço e sonolência diurna”, acrescenta.
Diabetes
Vários
estudos recentes sugerem que a insónia pode aumentar o risco de diabetes tipo
2. Uma investigação da Universidade de Bristol concluiu que os indivíduos que
sofrem de insónias apresentam níveis de açúcar no sangue mais elevados do que
outros indivíduos que não manifestam problemas relacionados com o sono.
À
CNN Portugal, Joaquim Moita, presidente da Associação Portuguesa do Sono,
explica a ligação entre as noites mal dormidas e a diabetes, utilizando como
exemplo a apneia do sono (salientando, contudo, que esta relação de
causa-efeito é alargada a outras perturbações do sono).
O
especialista explica que, nas apneias do sono, as vias áreas vão fechando pela
posição horizontal do corpo e, à medida que aumenta a resistência à passagem do
ar, ocorre uma vibração nas paredes da faringe. Essa vibração tem durações
variáveis: “Pode durar 10, 20 segundos ou até dois minutos”.
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/ Andisheh A/Unsplash |
Portanto,
a apneia só termina com um micro-despertar, isto é, quando “o cérebro está a
dormir e tem de despertar para dar uma instrução aos músculos da via aérea
superior para abrirem a faringe”.
Apesar
de “micro”, este despertar “interrompe a continuidade do sono”, prejudicando
assim a qualidade, até porque “cada vez que há uma apneia, há uma quebra de
oxigénio”. E cada micro-despertar provoca uma atuação do sistema nervoso
simpático, que adequa o funcionamento de diversos sistemas internos para um
estado de prontidão, libertando, assim, adrenalina.
“Isto
vai fazer com que ocorra uma desregulação entre a glicose e a insulina. Em
situações estáveis, nós libertamos a insulina necessária para controlar os
níveis de glicose, mas, na apneia do sono e em todas as situações em que há
insuficiência do sono, este equilíbrio se perde. Pode surgir a
insulinorresistência, e, mais tarde, diabetes”, explica.
Alzheimer
Partindo
do princípio de que “o sono é muito importante para a consolidação das
memórias”, com o cérebro a trabalhar para selecionar e guardar as memórias do
dia a dia, Joaquim Moita indica que dormir pouco leva a “perturbações de
memória” que podem mesmo assumir formas “muito graves” com o avançar da idade
“A
partir dos 70 anos, esta situação pode ser muito grave, de tal forma que esta
falta de memória se associa a quadros demenciais, como o Alzheimer, por
exemplo”, uma situação que se agrava com medicamentos “que muitas vezes não são
os mais corretos”, diz.
Nestes
casos, prossegue, os estudos sugerem que uma boa qualidade do sono acaba por
“combater” os quadros de demência ou de Alzheimer.
Doenças mentais
Dormir
poucas horas durante a noite também está associado a problemas relacionados com
a saúde mental, que, segundo a psiquiatra Maria Moreno, têm uma particularidade
– são bidimensionais. Quer dizer que “a insónia aumenta o risco de doença
mental, ao passo que a doença mental aumenta também o risco de insónia”.
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Mais da metade dos brasileiros está dormindo mal durante a pandemia, segundo pesquisa do Instituto do Sono / Getty Images |
“A
maioria das doenças mentais estão relacionadas com alterações do sono”. Esses
distúrbios traduzem-se, na prática, numa “alteração ao nível da estrutura
cerebral e dos neurotransmissores”, e, quando isso acontece, surgem
“naturalmente alterações dos padrões de sono”.
Estes
problemas tendem a agravar-se quando as pessoas procuram “soluções informais”,
nomeadamente medicamentos que são vendidos como milagrosos, mas que acabam por
prolongar um problema que poderia ser de fácil resolução em consulta médica.
“Infelizmente,
existe uma tendência enorme de pedir ajuda aos amigos, perguntar o que tomam
para o sono e tomar também, e, quando chegam à consulta, a maioria das pessoas
já está a tomar algum medicamento, que normalmente tornam o problema
permanente. Assim, uma coisa que inicialmente até era fácil de resolver,
transforma-se numa insónia grave, maltratada e naturalmente mais difícil de
solucionar”, explica a especialista.
Infertilidade
A
privação de sono também pode estar associada a problemas de infertilidade, de
acordo com Joaquim Moita, que cita um estudo norte-americano realizado em
jovens universitários do sexo masculino que tiveram de dormir quatro horas por
noite todos os dias durante uma semana.
No
final dessa semana, os investigadores verificaram uma “diminuição significativa
da dimensão dos testículos” desses jovens, bem como uma “redução significativa
da testosterona”.
Segundo
o especialista, estas alterações devem-se ao facto de a testosterona tratar-se
de “uma hormona que é produzida praticamente apenas durante o sono”. Logo, “se
o indivíduo não dorme, há um défice de testosterona e esse défice também estará
ligado à dimensão testicular”, aponta.
Mas
este não é um fenómeno exclusivo dos homens. De acordo com o responsável da
Associação Portuguesa do Sono, as mulheres também sofrem alterações hormonais,
com a diminuição do estrogénio e, por consequência, alterações no ciclo menstrual.
A título de exemplo, o médico cita estudos que sugerem que as mulheres que trabalham por turnos, como as enfermeiras, têm maior tendência a sofrer “alterações menstruais muito significativas”, como amenorreias e ciclos menstruais irregulares.
Via cnnbrasil.com.br
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